quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Intercâmbio - Marcilene

Manhã cinza
Marcilene Silva

Não foi preciso abrir a janela para tomar consciência de que o dia estava nublado. A cor cinza que penetrava pelas frestas da mesma janela fechada já me fazia perceber que o dia era de dor. Meu corpo pesado sobre a cama mal se movia, era como se minhas células estivessem entrando em estado de paralisação, uma a uma. Enquanto isso, vagarosamente um frio atemorizante se instaurava em meu corpo e o deixava gélido. Meus olhos se negavam em permanecer aberto, pois não suportavam o trabalho árduo da visão que não pode evitar o que se encontra a frente e acaba por ser observado mesmo sem pretensão do fato. Sentia como se minhas pálpebras carregassem o peso de uma dor depois de ser expressa em lágrimas dias afora. No entanto, estes mesmos olhos fatigados e entreabertos avistaram a mobília do quarto que acumulava poeira já a alguns dias de descuido, e não era importante a preocupação com esta sujeira externa tendo em vista que havia ainda mais poeira impregnada no passado guardado dentro de mim. E mal podia me lembrar a quanto tempo ela estaria lá. Mas não queria preocupar-me com a poeira. Se não foi possível retira-la ainda, sabia que uma forte tempestade poderia vir e se encarregar de fazê-lo. Isso acaba acontecendo um dia.
Foi apenas alguns minutos passados e a canção fúnebre da chuva já se fazia ouvir. O som melódico que ela entoava, hoje era depreciativo para a fragilidade circunstancial de minha audição. Não era o mesmo som que tantas vezes me integrava ao universo, ao contrário, este era de distanciamento. Senti-me dispersa do mundo, das pessoas, das coisas, de mim mesma. Por vezes o som da chuva se misturava com o grito assombroso de minha alma fragilizada e tudo se confundia dentro e fora de mim. E foi realmente necessário esquecer o passado, pois o presente já se fazia assustador o suficiente para consumir todo o meu dia que apenas começava.
Talvez aquele corpo gélido descrito no início fosse um reflexo da minha alma.
Mover o meu corpo para a inclinação foi tão difícil quanto abrir os olhos, pois tudo pesava e parecia anestesiado, tinha a sensação de ter ingerido doses abusivas de morfina. Mas era efeito de uma substancia naturalmente fabricada pelo meu próprio organismo enfraquecido.
Após algumas tentativas vagarosas, consegui obter êxito e colocar os pés sobre o chão ainda mais frio que meu corpo. Ao erguer-me em direção a porta suspirei profundamente, tomando consciência de que à minha frente saudava-me sarcasticamente mais um dia torturante de minha árdua existência.

Apresentando: Marcilene Silva
Blog: http://marcilenesilva.blogspot.com

Nenhum comentário: